Diante da fragilidade financeira dos Estados, algumas instituições têm registrado atrasos em pagamentos, que acabam bancados pelo Tesouro
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Até setembro, a exposição no Banco do Brasil (BB) chegou a R$ 38 bilhões, enquanto na Caixa Econômica Federal a dívida era de R$ 33 bilhões. No Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (Bndes), o valor atingiu R$ 49,6 bilhões da carteira em junho - o banco ainda não divulgou dados do terceiro trimestre.
Os maiores beneficiários foram os estados, incluindo aqueles que já estavam em péssimas condições financeiras e apresentavam maior risco de calote. A injeção de recursos foi possível porque a União avalizou a maioria das operações, ou seja, deu garantia de que pagaria a dívida em caso de inadimplência.
Normalmente, os bancos ficam mais restritivos quando clientes vivem situações financeiras desfavoráveis. Não foi o que ocorreu com os estados - especialmente nos últimos meses. Enquanto a arrecadação caía, a carteira de crédito da Caixa para o setor público saltou 22,1% em 12 meses até setembro. O Bndes também foi mais generoso, e as operações subiram 11,8%. No caso do BB, a queda foi de 1,7% em um ano.
Do total emprestado pela Caixa, 42,5% têm o aval da União. No BB, essa parcela é de 97%. O Bndes não informou o percentual exato, mas disse que a maior parte dos créditos tem garantia do Tesouro Nacional.
Diante da fragilidade financeira dos estados, algumas instituições têm registrado atrasos em pagamentos, que acabam bancados pelo Tesouro. O Rio de Janeiro já precisou que a União honrasse R$ 1,16 bilhão em seu lugar. Para não ficar no prejuízo, a União bloqueia dinheiro de contas indicadas pelo próprio estado, geralmente aquelas que recebem o Fundo de Participação dos Estados (FPE) e a arrecadação do ICMS.
O relatório do Tesouro não detalha quais instituições financeiras foram pagas com recurso federal, mas dados da Secretaria de Fazenda do Rio mostram ausência de pagamentos em linhas do Bndes, BB e da Caixa em diversos meses, a partir de maio. Procurado, o órgão admitiu que está inadimplente com os três bancos públicos, sem detalhar valores, e disse que não tem previsão da normalização dos pagamentos.
A Secretaria de Fazenda do Rio de Janeiro afirmou que também está atrasando pagamentos de dívidas sem garantia da União. O Tesouro informou que a cobrança dessas operações é de inteira responsabilidade dos bancos. De 2006 a 2012, o Rio de Janeiro obteve aval para empréstimos sem garantias da União com Bndes (R$ 1,5 bilhão), Caixa (R$ 1,16 bilhão) e BB (R$ 152,8 milhões), segundo o sistema de acompanhamento de operações do Tesouro. Quando isso ocorre, o Estado pode negociar diretamente garantias, como sua cota no Fundo de Participação ou outros fluxos de receitas.
O Bndes, por exemplo, tem R$ 14,4 bilhões de sua carteira com estados e municípios (29%) garantida por esses recursos. Na Caixa, o percentual é de 57%. O BB tem o menor índice: 3%. Procuradas, as instituições disseram que as operações são protegidas pelo sigilo bancário e não informaram se essas linhas estão com parcelas atrasadas.
Em meio às dificuldades, o Bndes detectou aumento na inadimplência até 60 dias de governos estaduais e municipais, de R$ 692 milhões, em março, para R$ 814,6 milhões, em junho. Em nota, contudo, disse que "a situação dos estados não teve impacto relevante no aumento da inadimplência no último trimestre".
Na última quinta-feira, o Tesouro anunciou que vai retomar as concessões de garantias para que estados possam contratar novos financiamentos. As análises estavam suspensas desde maio. Com isso, o governo pretende dar fôlego aos governos estaduais que ainda têm espaço para se endividar.
Governo federal usou instituições financeiras públicas para socorrer unidades da Federação
Além de dar aval a operações contratadas pelos estados, o governo federal já usou banco público para criar uma linha específica de socorro. Em 2012, o então ministro da Fazenda, Guido Mantega, anunciou que o Bndes iria liberar R$ 20 bilhões por meio do Programa de Apoio ao Investimento dos Estados e Distrito Federal (Proinveste). Essa é uma das linhas que o estado do Rio de Janeiro já deixou de pagar ao governo.
No Proinveste, todas as unidades da Federação foram beneficiadas e tiveram o crédito garantido pela União, inclusive 11 que tinham nota C para sua capacidade de pagamento - ou seja, risco mais elevado de inadimplência. O custo era abaixo do mercado: Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), à época em 5,5% e hoje em 7,5% ao ano, mais 1,1%.
A concessão de garantias para esses estados com pior situação fiscal só foi possível graças a uma portaria de 2012, assinada por Mantega, que permite ao ministro da Fazenda a concessão de um "waiver" (dispensa) do cumprimento de exigências - entre elas, ter rating A ou B.
A portaria abriu caminho para uma explosão dessas garantias: foram avalizados R$ 73 bilhões em operações de crédito aos estados com rating C ou D. A prática está sendo investigada pelo Tribunal de Contas da União (TCU).
No fim das contas, o Proinveste acabou sendo uma das fontes de recursos que serviu apenas para substituir verbas estaduais aplicadas em obras - que passaram, a partir daí, a financiar gastos com pessoal e aumentos salariais. Não houve ampliação de investimentos, como era o objetivo do governo federal.
"Essas operações não tinham um investimento de destino, mas sim várias ações abertas. Fazer o controle disso é muito complexo", diz o secretário estadual de Alagoas, George Santoro, que ordenou a realização de um balanço do programa assim que assumiu, em 2015.
Boa parte do dinheiro, constatou Santoro, acabou sendo usada na revitalização de estradas. "Não houve ganho de capital permanente", lamenta. Outra parte, diz o secretário, acabou bancando despesas com pessoal, ainda que de forma indireta. Isso porque, enquanto gastava os valores repassados pelo Bndes em pequenas obras, o governo liberou o caixa próprio para conceder reajustes. "Isso gera problema na sequência, porque não se sustenta", avalia.
No caso do Proinveste, foram contratados R$ 11,05 bilhões junto ao Bndes, dos quais R$ 1 bilhão ainda vai ser desembolsado. O restante da linha foi operado por Caixa e Banco do Brasil. O financiamento do Rio de Janeiro - que não está sendo pago - foi obtido junto ao BB, mas o Tesouro tem honrado os pagamentos e cobrado as contragarantias do governo fluminense, para não ficar no prejuízo.
"No caso desse repasse de R$ 20 bilhões, a responsabilidade do Tesouro vai além de dar aval, porque ele também deu o dinheiro para ser emprestado, definiu a taxa de juros, o prazo, até quanto que deveria ser dado para cada governo. Isso não existe nem nas linhas do PSI (Programa de Sustentação do Investimento). De fato e de direito, o empréstimo foi do Tesouro. O Bndes, o BB e a Caixa atuaram como meros agentes financeiros. Não agiram como bancos de desenvolvimento nem mesmo como banco comercial", afirma o economista José Roberto Afonso, pesquisador do Ibre/FGV e professor do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP).
Do http://jcrs.uol.com.br
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